Nenhum resultado encontrado.
Bataguassu

“BATAGUASSU: PORTAL DO MATO GROSSO DO SUL” – SEU PSEUDÔNIMO É PATRIMÔNIO IMATERIAL IMUTÁVEL

Por: Luís Carlos Freire

Cresci ouvindo o belo e sonoro pseudônimo “Bataguassu, Portal do Mato Grosso do Sul”. Na minha mente pré-adolescente se configurava a imagem do “Arco do Triunfo”, aquele imponente portal de entrada de Paris, na França.

Trata-se de uma obra de Arte da arquitetura e da escultura. Então vislumbrava algo parecido para a bucólica Bataguassu, algo semelhante ao Arco do Triunfo, a ser instalado próximo à ponte sobre o rio Paraná. Coisa de criança que pensa demais.


Portal é pórtico, local de passagem de pessoas, veículos e animais. Quando a insigne mestra Diva Câmara Martins nos ofertou o poema “Bataguassu, Portal do Mato Grosso”, em 1966 – e depois se tornou “Bataguassu, Portal do Mato Grosso do Sul” -, suponho que ela tenha visualizado num portal a simbologia mais significativa para denotar a passagem para um município acolhedor e hospitaleiro. Até então tudo se resumia apenas ao poema.


No final da década de 70 instalaram uma imensa estrutura metálica sobre a rodovia Manoel da Costa Lima, a poucos quilômetros do “Posto do Zequinha”. Parecia uma trave de futebol gigante. No centro se fixava uma placa verde com letras brancas, garrafais, anunciando “Bataguassu: Portal do Mato Grosso do Sul”. A mesma placa se repetia após o posto de gasolina do Sr. José Xavier, para quem vinha de Campo Grande. Essas placas foram inspiradas no citado poema. Não sei que fim levaram, pois esses patrimônios, quando retirados devido à avarias e afins, precisam ser substituídos.


O lirismo e a poeticidade contida no título do poema da mestra Diva Câmara Martins inspirou, muito tempo depois, o pseudônimo da cidade. Houve uma eleição na década de 70, na quadra da antiga Escola Estadual de 1º e 2º Graus Manoel da Costa Lima, inclusive a fotografia acima registra o dito episódio. Foi uma espécie de gincana, na qual participaram diversas autoridades e outras pessoas respeitáveis de Bataguassu, incluindo o próprio povo.

Um dia conversei com a mestra Diva sobre a importância de se construir na entrada de Bataguassu o nosso “arco do triunfo” com letras esculpidas em mármore: “Bataguassu: Portal do Mato Grosso do Sul”, cuja estrutura fosse permeada de elementos que se reportassem à cultura típica desse município. Ela disse “olha que ideia boa… leve-a para o futuro”. Ei-la!


Dia desses me surpreendi lendo uma postagem no Facebook, relacionando Bataguassu ao peixe tucunaré – como se fosse um apelido da cidade -, algo do tipo. Fiquei sem entender, pois o município possui um pseudônimo há quase meio século. Inclusive há muitas razões que o legitimam, ao contrário desse equivocado tucunaré que contradiz a História, a Memória e a Cultura de Bataguassu.

Na realidade, Bataguassu é “Portal do Mato Grosso do Sul” por excelência. Até mesmo antes da criação do citado poema, pois ao ser a primeira cidade do estado quando se atravessa o rio Paraná, já o é pela própria natureza. É pórtico, é passagem, é porta, é portela, é portada, é portal, enfim. Mestra Diva, com a sua sensibilidade poética, apenas se encarregou de transformar em poema o detalhe geográfico, traduzindo a sua essência. Não há melhor designação para essa característica natural.

O que é diferente de relacioná-lo ao tucunaré, peixe que não é endêmico da região. É um peixe intruso tal qual o título que toscamente se disfarça de pseudônimo.
A propósito do assunto, qualquer pessoa sabe que quando se introduz um peixe, uma planta ou qualquer vida animal ou vegetal numa área na qual ela não é endêmica (nativa/típica), a lógica é que esse “corpo estranho” dizime a fauna e flora originais. A oralidade sustenta que o tucunaré foi introduzido no rio Paraná pela Cesp, visando a garantia de piscosidade no mar de águas que se formou entre os dois estados. Pensou-se nos pescadores e no alimento de todos. Ótimo! Mas teria sido sensato introduzir peixes nativos, pois a piscosidade original se reproduz em harmonia.


A micro-fauna e a micro-flora do rio Paraná viraram comida para os tucunarés, dano ambiental que não pode ser banalizado. Não compensou ter pensado no tucunaré como alimento garantido aos pescadores ribeirinhos, ignorando o desequilíbrio de seu ecossistema. Faca de dois gumes! Problema digno de estar nas pautas de estado, das universidades, escolas e ONG’s. Para coroar de êxito essa ofensa à divindade da natureza, hoje evocam o tucunaré como uma espécie de pseudônimo da cidade. Presta-se culto ao peixe que dizimou toda a vida aquática natural do rio Paraná. Irônico!


O apelido de uma cidade, assim como uma bandeira, um hino e a história são imutáveis, exceto em situação extraordinária (como exemplo a mudança do nome da ponte Prof. Maurício Joppert para Hélio Serejo, que foi um reparo à História). Essa alcunha voltada para o tucunaré é o mesmo que dizer, por exemplo, “Bataguassu, terra do camarão”, ou “Presidente Epitácio, litoral dos coqueirais”. É surreal. Não tem sentido. E mesmo que o tucunaré fosse um peixe endêmico, não há fundamento inventar um novo apelido, ignorando o original, o qual foi deliberado em certame. E mesmo que provavelmente o tucunaré tenha se tornado algo comum à Bataguassu, ainda não justifica, pois está-se atribuindo ao município praticamente um novo pseudônimo.


Longe de mim sugerir que se proíba o título pertinente ao tucunaré. As pessoas que, lastimavelmente, optam por equívocos, podem usar esse título do tucunaré para nomear algo particular. É inconveniente, mas não é proibido. Mas essa atitude equivocada já não se aplica às instituições públicas do poder municipal. Quem valoriza e respeita a História, opta pelo correto. É natural o erro quando não se tem conhecimento, mas quando se esclarece e mesmo assim a parte equivocada permanece no erro, as instituições públicas pertinentes devem agir, a bem da História.


A problemática desse caso está nas instituições públicas, as quais desaperceberam-se de fomentar o pseudônimo “Bataguassu: Portal do Mato Grosso do Sul” ao longo de décadas. São tantas demandas que se esqueceram, salvas as exceções. Esqueceram que esse pseudônimo integra o patrimônio imaterial de Bataguassu. A rodoviária local, por exemplo, parece ter algo nesse estilo, anunciando em seu frontispício alguma coisa relacionada ao tucunaré.


Os visitantes chegam e saem de Bataguassu pensando que o seu pseudônimo é o que está na marquise. Com certeza isso foi feito sem má fé, portanto os órgãos de História, Memória, Cultura e Educação devem estar sempre atentos para esses e outros problemas. E o povo também, afinal está-se numa democracia. Toda decadência, toda ruína começa pelo primeiro degrau. Não adianta um município evoluir em alguns aspectos, e retroceder em outros.


Creio que as pessoas fomentam esse erro inocentemente, portanto isso deve ser revisto pelo poder público, pois as gerações mais jovens – inclusive muita gente nova chegando a Bataguassu – por desconhecimento, ou falta de consulta aos mais velhos – e aos próprios livros -, incorrem a equívocos como esse, descaracterizando a sua própria identidade enquanto municípe. Isso não é bom para nenhum lugar. Os valores, as tradições, os costumes, os bens tangíveis e intangíveis devem ser revitalizados e fomentados em sua essência, do contrário as coisas alheias descaracterizam e tomam corpo. Se as instituições responsáveis não agem, os danos se tornam irreparáveis. Como escreveu Goebbels, o assessor de Hitler “uma mentira contada muitas vezes se torna verdade”.

Já perdemos bens patrimoniais preciosos, tanto tangíveis quanto intangíveis. O gestor anterior mandou demolir a antiga Prefeitura (que chamávamos “Paço Municipal”). Era um prédio moderníssimo para os conceitos arquitetônicos da década de 50. O prédio era um monumento sagrado da história local. Virou pó! Isso é grave e nunca deve ser esquecido. Quem faz isso faz pior. E jamais deve receber novamente a função de prefeito ou vereador, pois é um posto muito nobre para um gesto tão inescrupuloso. FOI UM CRIME HISTÓRICO!

Depois, por falta de um olhar atento e preventivo, o município assistiu a demolição da “Casa de Jan Antonin Bata”. A residência passou muitos anos vazia, suscetível aos olhares de todos. Houve tempo e oportunidade de programar a sua compra. Existem muitas políticas públicas federais de apoio a tais iniciativas. As verbas da Cesp também garantem iniciativas desse porte com facilidade. Mas demoliram o mais significativo exemplar arquitetônico do Patrimônio Histórico bataguassuense. Impressionante!

Minha mãe contou-me que quando ouviu as pancadas e viu as máquinas quebrando tudo, saiu até a calçada e perdeu as forças. Emocionou-se. As paredes, fornidas, insistiam em ficar de pé, como se exigissem respeito, como se pedisse socorro e gritasse ao povo que aquilo não era correto. Virou pó! As políticas públicas precisam ser feitas com antecedência. Faltou olhares cuidadosos, que se programassem a favor do Patrimônio Material e Imaterial de Bataguassu. Para ampliar as demolições, a casa da própria mestra Diva virou pó. Sem palavras!

A Praça Jan Antonin Bata atual – que sempre foi assim denominada -, é grosseiramente chamada de “praça do peixe”. Inegavelmente é um logradouro muito bonito. Mas poderia embelezar outros bairros… a periferia por exemplo. Pobres precisam do belo! A praça original era um dos símbolos de Bataguassu. Era só revitalizá-la, respeitando as suas características originais, preservando suas aleias, seus passeios, seu coreto, replantando suas árvores típicas. Mas o mesmo ex-prefeito optou pela demolição. Como se não bastasse, construíram uma fonte, e – pasmem – com dois tucunarés! Hilário, se não fosse trágico. É importante aos poderes executivo e legislativo consultarem professores, historiadores, pesquisadores, pessoas antigas da localidade. Mexer em coisas históricas prediz conservar a sua característica original. Governantes civilizados do mundo inteiro se valem de consultas e plebiscitos.


Não cogito congelar o passado, apenas sugiro o devido respeito e o olhar civilizado às coisas da História. Grito quando percebo que estão mexendo em elementos sagrados, imutáveis, intocáveis… Tarefa que pertence a todos.
Enfim, se se elencar os danos ao patrimônio histórico, material e imaterial de Bataguassu, nos estenderíamos. Fica a minha observação respeitosa sobre a importância dos nativos terem consciência acerca da preservação da identidade de Bataguassu. O povo não pode dilapidar a sua identidade. No momento presente o pseudônimo corre risco. As crianças e jovens que não aprenderem essas noções históricas, passarão a reproduzir erros. Isso não é somente com o pseudônimo de Bataguassu, mas com qualquer bem comum.


A juventude não tem culpa, pois a construção do conhecimento histórico de um município é tarefa contínua de escolas, instituições de cultura e do poder público como um todo. O pseudônimo “Portal de Mato Grosso do Sul” integra o Patrimônio Imaterial de Bataguassu. Não pode ser mais um bem demolido. Daqui a pouco sobrará o quê? Ainda bem que pensaram num museu. Gesto nobre. Mas tem que se ter cuidado para a história não virar apenas fotografia ou narrações orais. O município tem a sua própria museologia espalhada em vários logradouros. Não há mais como tolerar demolições.


Lembrem: o povo é o poder! E para sê-lo com legitimidade e força, deve conhecer os fatos, ler, pesquisar, se informar e usar o seu maior patrimônio, que é a palavra e o conhecimento. Reivindicar. Espero que “Bataguassu: Portal do Mato Grosso do Sul” preserve o pouco que restou de sua história inicial.

(Luís Carlos Freire, Natal, Rio Grande do Norte, 31 de dezembro de 2020).

Jornal Produção - Todos direitos reservados - Desenvolvimento e Hospedagem 4visualweb.

To Top