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Bataguassu

A presença nordestina em Bataguassu ao longo dos seus 69 anos de história

Foto: Jéssica Torres

Por: Luís Carlos Freire

A PRESENÇA NORDESTINA EM BATAGUASSU AO LONGO DE SEUS 69 ANOS DE HISTÓRIA…

Bataguassu é uma obra holográfica, pintada com múltiplas matizes culturais. Começa com o próprio Jan Antonin Bata, oriundo da Tchecoslováquia (hoje República Tcheca) dentre outras culturas que coloriram diferentemente o seu cenário. Nessa paleta de cores variadas – estrangeira e brasileira – algumas influências resistiram e outras se diluíram. Algumas se restringiram aos limites da tela, outras respingaram suas tonalidades sobre as demais, enquanto algumas se sobrepujaram com pigmentos vivos e intensos, como, por exemplo, a cor nordestina muito forte nesse pedacinho do Mato Grosso do Sul. Somente o bataguassuense mais antigo é capaz de olhar essa galeria e reconhecer com clareza a ampla e extraordinária pintura nordestina que é Bataguassu.

Apesar de esse município estar situado no centro-oeste e obviamente carregar as matizes características do povo sul-mato-grossense, tais matizes também carregam certa excentricidade em sua cor; há um quê de singular, exatamente por sua holografia, cujas nuanças muitas vezes se confundem. Este texto pretende pincelar brevemente acerca da participação dos nordestinos na formação social, educacional e cultural de Bataguassu.

Se o leitor correr os olhos nas memórias de antigos bataguassuenses – vivos ou não – constatará que a sua demografia original se ampliou a partir da gigantesca chegada de famílias nordestinas desde os primórdios. Como filho de um casal de pioneiros potiguares, instalados nesse pedacinho do Brasil, dentre tantos outros pioneiros, sou capaz de elaborar, facilmente, uma lista de famílias nordestinas que se instalaram em Bataguassu e contribuíram com essa policromia. E elas estão em toda a geografia do município, inclusive no sangue de alguns que perderam as suas raízes, e hoje desconhecem avós, tios e primos que vivem em muitos estados do Nordeste. Meus pais fizeram o contrário. Os laços familiares com o Rio Grande do Norte nunca foram perdidos, pois eles sempre valorizaram suas origens.

Não sei especificamente de quais estados são todos os nordestinos que migraram para Bataguassu, afinal são centenas de famílias. Sei apenas que são nordestinos, cujos filhos e netos, nascidos em Bataguassu, carregarão sempre o sangue nordestino. Comecemos por Adonel Elias Barbosa, baiano, prefeito de Bataguassu por duas gestões. Ao seu lado estava o também gestor nordestino, de Alagoas, Odorilho Ferreira. No quarteirão da casa onde morava a minha família, temos a dona Raquel, que era alagoana. Mais adiante damos com dona Afonsa, também nordestina. Virando a esquina chegamos a casa da família Bonfim, pais de Zélia Bonfim (onde residiu a família Pires), os quais vieram do Ceará. Em seguida veremos a dona Iraci Businaro (esposa do Ademar, popularmente conhecido como Sr. Dimas), que era pernambucana. Curiosamente, foi através de sua filha Lucimara Businaro, que ouvi pela primeira vez o nome do famoso prato nordestino “Sarapatel”, preparado de forma inigualável por sua mãe que, como se vê, conservou a tradição culinária nordestina.

Continuando o passeio, chegamos à casa do sergipano, de Anápolis, José Francisco dos Santos (sr. “Zelão” barbeiro, pai da Meire), e dobrando o quarteirão, damos com a casa da d. Antonia, mais adiante a casa do Sr. Raimundo, baiano de Jacobina, pai do Didi, Pelé etc. Em seguida, topamos com a casa do sr. Osvaldo (da dona Linda, mãe da Rose), de Cotegipe na Bahia. Observe que somente nesse quarteirão no centro de Bataguassu, temos dez famílias nordestinas. Estou considerando neste passeio a geografia do meu tempo, pois obviamente algumas dessas pessoas já faleceram ou se mudaram para outras ruas ou bairros de Bataguassu.

Expandindo a tela, temos o ex-vereador José Veríssimo do Amaral, que era pernambucano, Sr. Anísio, (pai da Nenca), que era de Alagoas. Na frente da casa onde morei há outra grande família de origem nordestina, como dona Amélia Martins, filha do Sr. João, que veio de Xique-Xique, na Bahia (ele é pai do inesquecível professor Alonço Machado de Souza). Na esquina adiante morava o casal Expedito e Francisca, pais do Curió. Eram cearenses. Próximo dali há a dona Iêda Formiga (mãe da Mazé), que é baiana. Foi dela que ouvi, pela primeira vez, a referência sobre a inigualável brisa nordestina.

Subindo a avenida Aquidauana, temos a dona Raimunda Nazina Frutuoso, conhecida como d. “Lazinha” (esposa do português João Batista Frutuoso, conhecido como “sr. João da Loja”). Mais adiante, como o próprio pseudônimo revela, nos deparamos com “Sergipe” (pais da amiga de escola Jaíza Feitosa), o casal Manoel e Maria Lira (ele, conhecido como “Mané do Ênio), ambos cearenses. Mais adiante, tínhamos a “Ponesa”, cujos pais dela, Nelson e Ernestina, também eram nordestinos. E Dona Dalvina, comadre dos meus pais. Ela nasceu em Jacaraci, estado da Bahia.

Enfim, eis alguns nomes isolados, dentre inúmeras famílias nordestinas que ergueram suas moradas num rincão que ainda nascia, despido da necessária estrutura. E justamente essas famílias se juntaram aos moradores de outras federações e países e pintaram a Bataguassu de hoje. Creio que muitos bataguassuenses atuais talvez nem saibam que em suas veias corre o sangue nordestino, justamente pelo corte nos laços familiares com o Nordeste.

Até hoje me lembro dos vocábulos, expressões, histórias e lendas narradas por meus pais, as quais lapidaram a mim e a meus irmãos. Desse modo foi despertado em nós o amor à cultura brasileira, em especial, ao folclore e à História. Ainda uso, eventualmente, as palavras “malamanhado” (desarrumado), “gatimanhos” (macaquice), dentre outras. Aprendemos com a nossa mãe a fazer os mais deliciosos doces (de laranja, abóbora, mamão, coco, leite; hábitos que ela levou daqui do RN) e seus inesquecíveis pães e licores.

Particularmente já escrevi na minha página no Facebook, sobre a história dos meus pais. Eles escolheram, inicialmente, o Sul para morar, e depois decidiram morar no Centro Oeste, recém-casados. Minha mãe, por exemplo, pertence a uma das famílias mais antigas de São José de Mipibu, no Rio Grande do Norte. Pessoas respeitáveis e queridas. Até hoje existe a velha casa onde ela nasceu, hoje transformada num ponto de Cultura por seus sobrinhos. Nessa casa está instalado um material museológico imenso, como carro de boi, peças de engenho de cana de açúcar, uma casa de farinha, ferramentas antigas dos meus bisavós, dentre uma infinidade de pequenos objetos centenários. E tudo isso é disponibilizado ao público local.

Dentre os seus cinco irmãos, apenas a minha mãe deixou o Rio Grande do Norte. Todos permaneceram ali até morrer. Os quatro irmãos do meu pai José Amaro Freire também já faleceram. De duas famílias que um dia se encontraram e se uniram na década de 40, apenas a minha mãe está aqui para contar a história. Meu pai tinha um irmão mais velho casado com a irmã mais velha da minha mãe. Dois irmãos casados com duas irmãs, de maneira que os filhos são primos carnais. Por tudo o que conheço sobre os demais nordestinos que viveram, vivem ou estão vivos através de seus filhos, em Bataguassu, todos carregam histórias honradas de luta, trabalho e muita decência. Esse é o grande legado dos nordestinos que escolheram Bataguassu para formar as suas famílias.

A influência dos nordestinos em Bataguassu é, de certo modo, subjetiva devido ao tempo passado. Com certeza muitos costumes são mantidos, embora que da porta da casa para dentro. Refiro-me às tradições culinárias, a linguagem, as lendas e causos antigos, os costumes, enfim o que cada um trouxe em suas bagagens culturais e transmitiu aos seus filhos.

Lembro-me que até a minha adolescência eram mais visíveis as fogueiras juninas espraiadas ao longo de toda a Bataguassu, os tachos de curau, as pamonhas, as casas de farinha, até mesmo quem fazia rapadura (que é mais comum ao Nordeste até o presente). Na minha casa sempre existiu o forno de tijolo e barro, que funcionava a lenha, onde a minha preparava pão caseiro. No Natal e Ano Novo era de onde saiam os seus assados. Na verdade, o forno de barro é costume geral, mas é muito mais intenso no Nordeste. Lembro-me, ainda pré-adolescente, de uma senhora que nos visitava, eventualmente, e trazia alguns “beijus” para a minha mãe. Saberiam os filhos dessa senhora preparar beiju, hoje?

Com certeza se eu convidasse outras famílias nordestinas, ou de raízes nordestinas, de Bataguassu, para trazer suas cores para este texto, a beleza seria extraordinária. Não há como nascer num lar com pais nordestinos, ou um deles nordestino, e não emanar alguma influência. Impossível. Quem não conhece o cuscuz preparado no leite de coco? E a tapioca na manteiga de garrafa ou recheada com carne de sol? E o pudim de tapioca? Enfim, cada família perpetuou algo.

Bataguassu, em sendo um município com forte raiz nordestina, não pode e nem deve ignorar a sua colaboração na educação, por exemplo. Num exemplo isolado, cito o professor Alonço Machado de Souza, filho de pai baiano, que exerce forte influência educacional e cultural em muitos munícipes ao longo de muitos anos. Quantos outros nordestinos, ou filhos de nordestinos estiveram diante de nós nas salas de aula, como professores, enfermeiros, médicos, advogados, enfim como profissionais cumpridores de suas obrigações? Quantos nordestinos ergueram os alicerces de Bataguassu junto a homens e mulheres de outros estados?

Pois bem, na passagem do aniversário de emancipação política de Bataguassu, julgo importante retirar a poeira da bela tela nordestina que, tal qual uma grande galeria, está esparramada em toda a Bataguassu. Luís Carlos Freire – do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN.

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