Cultura

Festa de Nossa Senhora dos Navegantes; por Regina Freire

Fotos: Centro de Documentação Histórica – Museu Helena Meirelles

Porto XV de Novembro e atual Nova Porto XV, peculiaridades de uma região histórica

Desde os tempos pré-cabralinos esse pequeno torrão sul-mato-grossense, emoldurado por dois mananciais gigantes, denominados rio Pardo e Paraná, é um habitat cheio de vidas. A começar pelos povos originários Ofaié-Xavante, Guarani-Kaiowá, dentre outras etnias que aqui habitavam de maneira predominante e resistem em alguns pontos, apesar do preconceito e práticas dizimadoras de muitos “brancos”. Esses povos, encantadores, também continuam presentes nos nossos traços fisionômicos, na nossa cultura e história.

Desde os tempos mais remotos, essas margens de natureza farta e beleza extraordinária é chão onde pisaram ilustres figuras em vários momentos do século XIX. Como exemplos o pintor italiano Hercule Florence, que retratou um acampamento boiadeiro às margens do Rio Pardo (o quadro se encontra na Academia de Ciências de São Petersburgo, na Rússia) o russo Barão Georg Heinrich von Langsdorff, médico e naturalista que catalogava espécies nativas, dentre elas borboletas; brasileiros como o pintor e desenhista Visconde de Taunay, o sertanista e indigenista Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, os militares Majores Isidoro Dias Lopes, que aqui passou com as suas tropas e o general Alfredo Malan D’Angrogne, engenheiro militar (que fotografou indígenas ofaiés-xavantes nas margens do rio Pardo, em 1924), estando em missão decorrente da revolução. Enfim, são muitas figuras que pisaram nesse solo que seria Bataguassu. E o “Porto XV de Novembro” consistia no porto de entrada, o grande acampamento.

Sabemos de viajantes europeus que vinham para essas plagas conhecer a nossa fauna e flora, a pintores renomados que desenhavam e pintavam nossos espécimes. Aqui também construíram os seus ranchos homens valentes, corajosos e trabalhadores, vindos dos mais distantes lugares do nosso país.

No caudal desses homens notáveis se soma, como muito sabemos, o insigne sertanista Manoel da Costa Lima realizou uma das mais admiráveis façanhas da nossa história em 1904, rasgando a densa floresta de mato grosso a facão, batizando esse pequenino pedaço do Brasil de “Porto XV de Novembro”, hoje chamada “Comunidade Nova Porto XV de Novembro”. Foi após esse feito notável, proclamado pelos quatro cantos do país, tal qual a Odisséia de Ulisses, que essas terras prosperaram, unindo-se aos demais cantos do Brasil. Segundo Martins Santos, (1984):

“Para compreender um pouco sobre a Nova Porto XV é preciso conhecer sobre o processo de ocupação desta região, que ocorreu efetivamente no início do século XX, a partir da iniciativa do Sertanista, desbravador Manoel da Costa Lima que tinha como objetivo estabelecer ligação comercial com o Estado de São Paulo e libertar o sul do Mato Grosso da longa dependência cultural e econômica da República do Paraguai. Esse local, desbravado e batizado por Manoel da Costa Lima, surgiu do entreposto de tropeiros e das monções que tinham como destino as minas de ouro de Cuiabá, surgiu a vila Porto XV de Novembro, que mais tarde seria transformada em Distrito de Bataguassu. Ao longo dos anos, a maioria dos moradores sobrevivia da pesca de subsistência, do tropeirismo e das atividades oleiro-ceramista. Do lado sul-mato-grossense e na margem Paulista havia muitos pescadores, marinheiros e funcionários do Serviço de Navegação da Bacia do Prata (SNBP). Todos viviam do Rio Pardo e Paraná”.

Em um contexto ainda recente, a artista Helena Meirelles, personagem de destaque na música e na cultura regional, conhecida internacionalmente, levou o nome do Porto XV para todo o Brasil. Rodeada de tropeiros, peões e suas comitivas, a instrumentista Helena Meirelles (13.08.1924 – 28.09.2005) em suas andanças pela velha Estrada Boiadeira, foi presença constante a animar as Casas de Shows no Antigo Porto XV de Novembro, tocando de maneira magistral o seu inseparável instrumento musical, o violão.

Nas décadas de 1940 a 1950 o local movimentava o atracadouro, onde o escoamento de produtos, a extração da madeira, os pousos de boiadas e os ranchos formavam o ponto de parada em que as monções, os boiadeiros procedentes do Pantanal e região que ora atravessavam ou se adentravam ao sertão, ali fazia um intervalo, local de parada para descanso. Quantos saciaram – e saciam – a fome nas águas desses dois mananciais, sob as mais diversas formas, pois é uma fonte de vida, fonte da economia local.

A velha Porto XV de Novembro hoje está submersa. Apesar da população ter se reiventado, apesar do grande impacto ambiental, social, etc. Junto sepultou-se histórias que estão guardadas apenas nas memórias que o Museu Helena Meirelles tanto quer preservar. O progresso tem capítulos que nem sempre são escritos como queremos.

Quantas histórias tem o Porto XV de Novembro! Seriam necessárias muitas laudas para acomodá-las no papel. Ali se sobressai a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, surgida numa promessa feita em 1944, por intermédio do casal Joaquim Rodrigues Leite e Bernardina Monteiro Rodrigues Leite, popularmente conhecidos como “Quinzinho e Cota”. O filho deles, Bento, foi para a guerra, na Itália, despertando nos pais o gesto católico da promessa de uma capela em louvor à santa e uma festa, acaso Bento retornasse. Deu tudo certo e a promessa tomou a dimensão que sabemos.

Há 74 anos os ribeirinhos oferecem as suas preces à santa protetora dos pescadores. A tradição foi reconhecida institucionalmente há um ano pelo Governo do estado como Patrimônio Cultural Imaterial de Mato Grosso do Sul, mediante reivindicação do Museu Helena Meirelles.

Aproveitando essa data importante, agradecemos o apoio técnico que nos foi dado, cujo governo do estado avaliou o fundamento do pedido quanto ao registro e tombamento da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes. Convém ressaltar a importância do registro, pois trata-se de uma Manifestação Religiosa e Cultural que contribuiu com o sentimento de valorização e com a conscientização da importância que a festa representa para a comunidade em geral, como instrumento de preservação da identidade do nosso povo, fonte de turismo e economia.

A opção do governo do Mato Grosso do Sul pelo registro e tombamento da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, representa o coroamento de um significativo patrimônio. Por fim, agradecemos às autoridades que se deslocaram de Campo Grande para abrilhantar esse festejo de forma muito especial.

Profa Regina Maria Freire Oliveira, historiadora no Museu Municipal Helena Meirelles em Bataguassu MS, é graduada em História pela UNECESUMAR de Maringá – PR, graduada em Letras pela UNOESTE, Pres. Prudente; pós-graduada em Gestão Cultural pela UNB. Possui pós-graduação em Educação Especial com ênfase em Inclusão, pela Universidade Castelo Branco, tendo participado de formações na área de Museologia, Fundação de Cultura MS e UFMS MS, Universidade Estadual de Londrina – UNOEL, Museu e Arquivo Histórico Prefeito Antonio Sandoval Neto, Pres. Prudente SP.

Confira a seguir, algumas fotos do distrito XV de Novembro, hoje submerso e carinhosamente chamado de “XV Velho” por seus antigos moradores

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